A Taça
Talvez ele quisesse que eu bebesse a sua vida, talvez para absorver um pouco suas dores, sua insignificância, compartilhar sua existência e, assim, descobrir-se compreendido. Talvez ele só quisesse me humilhar, forçar-me a engolir suas nojeiras semimortas, fazer-me submeter ao seu domínio, aniquilar a cada gole o meu brio de homem e provar a si mesmo sua virilidade grotesca e infinita. Seja qual for o motivo, eu jamais negava aquela bebida. Não tinha um gosto bom, não tinha um cheiro bom, mas era dele e eu bebia. Eu gostava de beber.
A primeira vez foi numa tarde um tanto quente. Eu havia passado horas lavando suas cuecas e a noite já começava. Fazia uns três meses que nos conhecíamos, ou melhor, que nos relacionávamos. Ele me chamou, pediu que eu o aguardasse sentado na cama, nu. Alertou que eu não deveria estar suado, o que me obrigou a lavar-me superficial e rapidamente. Em alguns minutos, entrou no quarto, sem camisa, descalço e com uma calça jeans de braguilha aberta. Poucas vezes o achei tão bonito e sensual como naquele dia. Trazia uma taça, dessas de vinho tinto, artigo delicado para sua natureza, cheia de um líquido branco e viscoso. Cheirei, senti alguma familiaridade, mas não reconheci o que pudesse ser, porque não conseguia imaginar o que é que ele pudesse me oferecer assim tão sem aviso, tão gentilmente, tão sensualmente. Pediu que eu bebesse e, sem rodeios ou qualquer palavra que condissesse com a delicadeza da taça que me oferecia ou com a gentileza e a sutil sensualidade dos gestos que me apresentava, explicou que era “porra”, porra dele colhida durante duas semanas, todos os dias e armazenada no congelador. Se estava morna era porque tinha descongelado no microondas. Pediu novamente que eu bebesse e não explicou mais nada, apenas que eu beberia aquilo sempre. E bebi.
Não era todos os dias que ele me oferecia aquela taça. Às vezes se passavam semanas até que me pedisse para beber novamente o seu sêmen armazenado. Eu nem sequer tentava adivinhar ou precisar a regularidade com que me oferecia aquilo, para entender quanto tempo ele levava para encher uma taça ou perceber se mesmo haveria mais de uma taça onde estocasse tamanha vontade de me dominar, humilhar ou até me fazer mais próximo dele. Também nunca entendi o porquê dessa atitude, já que, comumente em nossas relações, eu engolia o seu gozo enquanto o chupava. Nunca entendi e nunca questionei coisa alguma. Apenas aceitava e sempre bebia. Sempre achava nojento, algumas vezes achava que vomitaria, não se passou uma vez que eu estranhasse aquele gosto de gozo guardado, acumulado, reaquecido, não se passou uma vez que eu não estranhasse aquela gosma dentro da minha boca, descendo salgada e áspera pela minha garganta, aquela gosma branca que ele me pedia para beber como água.
Outro fato que também sempre estranhei, e também nunca questionei, era que, nos dias em que ele me oferecia a taça, nós não fazíamos sexo. Eu o visitava, lavava suas roupas, ajudava-o com algum serviço de casa ou com o conserto dos carros (ele tinha uma oficina na garagem), massageava seus pés (algumas vezes eu inclusive os beijava e lambia, e masturbava-me simultaneamente, mas não considero isso sexo, porque ele não gozava, só eu), fazia comida, dava-lhe banho, nos beijávamos, mas não transávamos. Esse sim era um fator que me permitia supor os dias da taça, apesar de também não haver aí uma regularidade, pois havia dias em que nada de sexual acontecia, além dos afazeres domésticos, e mesmo assim não havia aquela bebida.
Quando havia, era sempre a mesma coisa: em dado momento, estivesse eu fazendo o que quer que fosse, ele me chamava, pedia que eu ficasse nu e o aguardasse na cama. Em pouco tempo vinha a meu encontro, umas vezes de calça, outras de cueca, às vezes totalmente vestido, quase sempre descalço e sem camisa, mas nunca nu. Incrivelmente gentil, de uma delicadeza oposta à imagem do homem pelo qual me atraí, oferecia-me a taça e assistia eu beber todo aquele líquido. Quase sempre acariciava meus cabelos, meu rosto, quase sempre passava levemente as mãos pelo meu corpo enquanto eu tomava o seu gozo. Era como se me cultuasse. Não era o mesmo homem dos outros dias, era mais jovem e mais bonito, eu sempre o achava mais jovem e mais bonito. Sorria tão adolescente que parecia ter a minha idade. Era um momento em que eu não tinha medo dele, não tinha receio algum. Engraçado... o quarto sempre parecia mais iluminado nesses momentos, fosse a hora que fosse. Ele vinha mais arrumado, às vezes eu sentia até um leve perfume, de sabonete ou mesmo água de colônia. Não era à toa que me advertia quanto ao suor, às mãos, ao rosto, que sempre me pedia para chegar limpo e seco ao quarto. Só então trazia a taça, não tendo nunca mais, além daquele primeiro dia, pronunciado qualquer palavra que definisse aquele líquido. Qualquer palavra dessas, creio, sujaria aquilo que ele me entregava, por mais que aquilo fosse um meio de se sobrepor a mim. Ele queria limpeza, luz. E eu acabava bebendo com gosto tudo aquilo.
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