As Bolas de Alberto

outubro 30, 2016

Alberto tem as bolas grandes. Bola Luna e Bola Bela, seus dois cãezinhos de estimação, são grandes e fofos. Ah, sua antiga bola de futebol, com a qual ele costumava se divertir um pouquinho na infância e na adolescência, antes de uma lesão permanente no tornozelo lhe impor uma limitação nesse sentido, fica no alto da estante e tem aparência de ser maior que uma bola de futebol tradicional.

Mas não essas as bolas de Alberto que se destacam por serem inacreditavelmente grandes.

Alberto é um cara magro, ar desengonçado, que trabalha em uma agência de recursos humanos, no Centro nobre de São Paulo. Na busca por um equilíbrio dicotômico entre o sóbrio e o descontraído, a agência exige dos funcionários homens o uso de paletó mesmo no terrível calor de 38º que tem feito na quente primavera que se atravessa; mas não exige gravata nem faz objeções – e até estimula – o uso de acessórios coloridos e um brinquinho moleque na orelha. Esse estilo ambíguo, no qual embaixo do paletó de tweed Fabiano – o melhor amigo de Alberto – veste uma camisa de seda engomada mas cujas mangas foram irreverentemente cortadas, e onde o sapatênis de um e o sapato social lustroso de outro caminham juntos nos corredores (e caminhar é um termo que pode ser usado literalmente, se não no caso da camisa sem dúvida no do calçados), constitui não apenas o perfil da empresa em si, mas acima de tudo a cara da maior parte dos funcionários da agência – e, no caso de Alberto, não apenas a cara. Outra parte do corpo também.

Alberto é magro, como dissemos, mas está longe de ser um cara alto – tem pouco menos de 1,80m. Extremamente peludo do pescoço para baixo, necessita se barbear diariamente e apresenta uma calvície bem acentuada que começa na testa e vai até a parte de trás do cocuruto. Mesmo antes de trabalhar na agência onde já se encontra há quase dois anos, sempre seguiu esse estilo de se vestir, mescla entre o descontraído e o sóbrio. Talvez por isso ele se dê tão bem em seu emprego e esteja prestes a conseguir uma promoção. Dr. Timóteo, um dos donos da agência e seu chefe direto, está avaliando com bons olhos o nome de Alberto para o cargo de novo Gerente Geral de Assuntos Internos, sendo que a definição saíra no dia 04 de novembro – nada menos que a data em que Alberto fará aniversário pela trigésima vez na vida. Boas línguas dizem que a colisão involuntária de datas será aproveitada em favor de Betão.

Bem, mas ainda não falamos da outra parte do corpo de Alberto que estamos sugerindo.

Recapitulando: Alberto é magro, não muito alto, peludo em demasia, calvo, gosta de um visual amalucado e o usa até mesmo fora da empresa na qual trabalha. Gostava de jogar futebol na infância (não dissemos: ele é corintiano roxo e ambicionava seguir carreira) e uma lesão no tornozelo enterrou definitivamente esse anseio. Tem 29 anos e 11 meses, dois cachorros grandes e gordos e seu melhor amigo trabalha com ele e se chama Fabiano.

Suas pernas são finas e sua cintura é magra. Mas Betão só usa calças largas, bem largas, o que acentua seu ar desengonçado. Preferia usar calças de moletom, mas a empresa é firme com a utilização do paletó e da calça social. Sentado ou em pé, Alberto dificilmente fica com as pernas juntas – em mais de 90 por cento de seu dia a dia, ele está com as pernas bem afastadas uma da outra. Seu cinto dá uma volta mais de um metro maior que o necessário para fixar bem a calça, infinitamente mais larga que a cintura de vespa. E tudo isso por um único motivo: Alberto tem a maior bolsa escrotal já vista ou pensada que se possa imaginar.

Doença? Tumor? Não. Único filho homem de um casal de amorosos papai e mamãe que lhe deu cinco irmãs, Alberto nasceu com esse gigantismo no meio das pernas. Ele adora. Mas às vezes é obrigado a detestar. Poucas pessoas sabem dessa sua característica – mesmo os amigos mais íntimos. Mostrar é impossível, claro. Como abordar o assunto? Como falar a respeito? É um troféu que Alberto é obrigado a esconder – e do qual ele adoraria se vangloriar.

Houve uma vez em que Alberto e Fabiano precisaram definir quarenta nomes para uma entrevista de emprego que aconteceria menos de 48 horas depois. Alberto convidou o amigo para concluir o trabalho em sua casa, e só acabar quando a seleção já estivesse concluída. Fabiano é hetero, casado e pai, e Alberto sabia que não havia esperança alguma de um envolvimento maior que a mais profunda amizade. Porém, terminada a seleção dos candidatos e concluído o trabalho, os dois homens foram tomar banho – separadamente, claro – e, ao sair do banho, Fabiano presenciou Alberto só de cuecas no sofá, assistindo televisão. Não houve uma sugestão de clima algum, porque, repetimos, Alberto respeita a sexualidade do amigo, mas é impossível Fabiano ou qualquer outro que ali estivesse não haver observado o gigantismo dos culhões que se imprensavam debaixo da cueca do amigo. De qualquer forma, ele não comentou nada e, se Alberto tinha esperanças que Fabiano revelasse algo aos demais colegas de trabalho no dia seguinte e desse origem a algum bochicho, isso não aconteceu – ironicamente, por respeito de Fabiano ao amigo.

E a grande verdade é que Alberto adoraria que tivessem feito um grande escarcéu a respeito do gigantismo de suas bolas.

Quando Alberto era criança isso não era uma preocupação, mas ironicamente algumas situações acabavam surgindo com uma certa facilidade e levavam involuntariamente a alguns comentários: era uma bermudinha um pouco mais larga, uma calça frouxa em demasia, uma professora achando que o menino ou estava sendo tratado com desleixo ou sua família não possuía recursos para roupas do tamanho correto e a própria mãe explicava para a boa educadora a característica do menino – sem muito cuidado em esconder o comentário dos ouvidos atentos dos demais coleguinhas, que adoravam multiplicar e exagerar o relato, as risadas e o bullying.

Mas o tempo passou, aquele menino humilhado se tornou um rapazinho, um homem feito e em poucos dias iria se transformar num trintão. Provavelmente, em um gerente geral de assuntos internos também. O sonho de ser jogador de futebol acabara aos dezesseis anos com a lesão no tornozelo – e, ironicamente, acabaria poupando um problema a Alberto: o de como correr com uma bola no pé e duas bolas sacudindo no meio das pernas. O carequinha peludo sabia a dificuldade de correr por aí, quando precisava alcançar um ônibus parado no ponto ou o próprio elevador da empresa, que fica no fundo do imenso corredor de mais de vinte e cinco metros do imenso foyer do prédio em Cerqueira Cesar. Mas o pensamento estava lá, repercutindo em sua mente: como fazer com que todos aqueles com os quais convivia soubessem do tamanho de seus culhões?

O curioso é que Alberto não possuía intenção erótica nenhuma quando pensava nisso – ele era até mesmo um rapaz solitário por natureza, de certa forma muito mais um abstêmio sexual do que qualquer outra coisa. Custara a assumir-se gay, e só o fizera depois que uma de suas irmãs finalmente reconhecera sua condição de lésbica. Os namorados foram poucos, porém: Alberto nunca dera sorte em seu anseio em encontrar um rapaz que realmente fosse bonito, companheiro, inteligente, romântico, bem-sucedido, talentoso, jovem, bronzeado, pés grandes, sem tatuagem, entre 1,90m e 1,99m, cabelos curtos, que não depilasse embaixo do braço (ele odeia os caras que fazem isso), que falasse pouca gíria, deixasse sempre um pouco de barba no rosto, torcesse para o Corinthians, não usasse perfume (ele era alérgico) e de preferência que morasse perto dele. De preferência, bem entendido, porque Alberto sempre dizia que não era um cara muito exigente. Não encontrando alguém que suprisse seus poucos requisitos, Alberto preferia ficar sozinho, mesmo: ele não era um cara louco por sexo.

Além disso, ao ver os culhões de Alberto, a maioria dos poucos namorados que teve muito mais se assustava do que curtia aquele saco gigantesco entre suas pernas. E os relacionamentos não duravam muito.

Mas Alberto curtia suas bolas gigantes. Ele queria que as pessoas vissem. Que os outros soubessem. Uma vez, ele viu um ex-Big Brother posando nu em uma revista gay e, na entrevista que acompanhava as fotos, o repórter indagava ao fotografado se comentavam muito que ele tinha o saco bonito. O ex-Big Brother dizia que sim, mas acrescentava que, se esse comentário acontecia, era porque já se havia chegado a uma situação de intimidade. No fundo, Alberto não queria chegar a uma situação de intimidade para mostrar o saco. O insucesso com os ex-namorados o vacinara bem em relação a isso. Ele era como uma criança que queria que todos vissem seu brinquedo novo – sim, esta seria a melhor definição: não se poderia ilustrar melhor o anseio de Alberto em ver divulgado o tamanho de suas bolas.

Alberto pensava nisso dia após dia, e decidiu que seu presente de aniversário seria chegar a uma resolução a esse respeito. Matutava, pensava, refletia, coçava com a tampa da caneta a carequinha, tirava os óculos para coçar a vista – sim, Alberto usava óculos desde que nascera, ou pelo menos desde poucos anos depois disso. E pensava como seria bom se exibir seus imensos culhões fosse algo natural. Mas a verdade é que não era.

Dia a dia, todo dia, ele matutava, pensava, refletia, coçava a cabeça. Até que finalmente, passando no corredor da empresa com alguns currículos, deu um grito de alegria, jogou todos os papéis para o alto – uma secretária os recolheu em seguida – e deu um novo grito, de Viva!, bem grande. Ninguém entendeu, mas Alberto já sabia o que fazer: ele iria tirar umas fotos pelado e disponibilizar anonimamente na Internet. Melhor: ia pagar alguém para fazer isso! Alberto conhecia um hacker que por uma quantia módica faria isso para ele. Imediatamente, ligou para o rapaz. Não deu muito sorte, porém: o tal Magno estava viajando e só voltaria daqui a poucos dias, logo depois do feriado de Finados. No dia seguinte à data, segundo a mãe dele.

Ótimo! O dia seguinte ao feriado de Finados era a véspera do aniversário de Alberto, e ele iria tirando as fotos com calma – “Vou começar agora!”,  – para as lançar na Internet no dia 03 e desfrutar do escândalo no dia do seu aniversário. “Vai ser o meu presente para mim mesmo”, pensou. “Todos irão saber como sou boludo!” E começou a raciocinar como poderiam ser essas fotos, os melhores ângulos, as melhores posições, como fazer para que parecessem fotos colhidas ao acaso... Aproveitando a sala vazia, tratou logo de tirar algumas fotografias, para testar. Bolas por bolas, ele lembrou do dia em que ganhou sua primeira bola de futebol, aquela mesma que está até hoje na estante de sua casa.

O feriado chegou, Magno chegou, Alberto não chegou ao trabalho no dia seguinte: passou o dia inteiro na casa do hacker combinando com este a melhor forma de fazer a divulgação das fotos parecerem acidentais. Magno era um cara bonito, de olhos verdes, dentes alvíssimos, mas um mau-caráter de marca maior, com uma cicatriz horrenda no rosto, olhar cínico e um sorriso de desdém, que recebeu o dinheiro, fez a divulgação das fotos, colocou tudo no ar, mas simplesmente “esqueceu” (er...) de dizer a Alberto que qualquer programa mais sofisticado que o dele poderia identificar a procedência das mesmas. Mais: sendo um hacker investigado pela polícia e que esteve preso por mais de um ano, não queria, agora que estava cumprindo uma condicional, deixar um rabo preso por causa de “um viado que estudara com ele no ginásio” – na definição do próprio Magno, que certamente só se lembra do ginásio porque não estudara muito além disso. Quer dizer, ele até estudou a linguagem da informática, sim – mas sempre com a preocupação de aprender o suficiente para fazer pouco e roubar muito.

Como estava fazendo com Alberto.

No dia seguinte, Alberto acordou feliz. Era o seu aniversário. Era o dia em que tudo indicava que seria promovido. Era o dia em que teria o seu fetiche saciado. Era o dia em que poderia assumir publicamente o gigantismo de suas bolas. Era o seu dia.

Ao chegar ao prédio da empresa, evitou olhar para todos. Queria que a iniciativa do diálogo, do comentário, viesse dos outros. Bom, o elevador estava no térreo, as pessoas estavam entrando. Embora não fosse seu plano inicial, poderia ignorar o pessoal da portaria e ir direto à empresa. Foi o que fez.

Ao chegar, Fabiano e seu chefe estavam em sua sala. Dois policiais aguardavam sua chegada.

– Alberto Leal?

Ante a pergunta do guarda, Fabiano se antecipou a Alberto.

– Eu tentei impedir, Beto, tentei explicar, sei que você é um cara bacana.

Foi o próprio chefe quem o cortou:

– Como você pôde, Alberto?

E Dr. Timóteo continuava:

– Tirar fotos pelado até mesmo aqui dentro da empresa! Em algumas dessas fotos aparece a nossa logomarca!

Os policiais não estavam para brincadeira:

– Algumas foram expostas até mesmo em sites direcionados ao público infantil. Nos acompanhe à delegacia, por favor.

– Mas eu...

– Eu não preciso nem mesmo dizer que você está demitido, Alberto! Por justa causa e sem direito a benefício algum.

Fabiano era o único a sacudir a cabeça, lamentando a decisão de Dr. Timóteo e tentando, sem conseguir, encontrar argumentos a favor do amigo. Mas não adiantou.

Em seu aniversário de trinta anos, Alberto saiu escoltado pelos dois policiais e levado à delegacia. Várias mães das crianças que haviam visto as fotos de Alberto e sua região genital expostas em primeiríssimo plano depuseram contra O Tarado de Cerqueira Cesar e só não o lincharam porque Alberto foi imediatamente preso e prudentemente colocado em uma cela isolada: atrás das grades também havia gente querendo pegá-lo e dar-lhe uma surra.

Condenado a seis anos de prisão, Alberto acabou obtendo a proteção de Magno, condenado por pequenos crimes e que revelara aos bandidos de maior periculosidade que o Tarado de Cerqueira Cesar não era tão perigoso assim. Algumas vezes, recebeu na cadeia a visita de Fabiano, que sempre acreditara na verdade e lhe revelara haver obtido a promoção, tornando-se o novo Gerente Geral de Assuntos Internos. Um cargo que lhe daria autoridade para salvar o emprego de Alberto, se a demissão deste não tivesse ocorrido antes da efetivação do amigo no cargo. Fabiano também ficou com os dois cachorrinhos de Alberto, e se dá maravilhosamente bem com Bola Luna e Bola Bela, que adoram o novo dono.

Com metade da pena cumprida, Alberto obteve uma condicional e pôde voltar às ruas. Ironicamente, após ter sido acusado injustamente de ser um pervertido, passou a conseguir sua sobrevivência vendendo bexigas para crianças. Para evitar ser reconhecido, o faz fantasiado de palhaço – o que acabou servindo como justificativa, também, para poder utilizar calças largas – e camisas, e colarinhos, e chapéus, e sapatos. As crianças adoram comprar as bexigas daquele palhacinho do Bixiga, ligeiramente manco, que mora em um pensionato rastaquera na região. As bolas de Alberto são bem coloridas. São decoradas com um pirolitinho na haste. As bolas de Alberto são grandes.

Autor: Carlos Dunham


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